segunda-feira, 9 de julho de 2012

ALFAIATES -  40°23'26.28"N ; 6°54'42.87"W



Após algumas semanas de ausência e uma interrupção na história de Portuzelo, que continuarei mais adiante, decidi trazer-vos uma lindíssima aldeia raiana, com 700 habitantes, pertencente ao Concelho do Sabugal, Distrito da Guarda.
Foi esta pequena vila (hoje aldeia), sede de Concelho entre 1297 e 1836.


Do seu nome apenas sabemos que provém do árabe Alchaiat, sem no entanto se perceber o porquê desta designação, e que, sendo até 1296 (Tratado de Alcanizes) castelhana, se chamaria Castillo de La Luna; castelo este, mandado erguer por D. Afonso X de Leão, em 1230, assim como a todo o povoado que estava destruído e abandonado. 
Em 1282, a vila foi dada em dote, por D. Dinis, à rainha Santa Isabel.
O castelo e cerca que aqui vemos, é o resultado de um restauro orndenado por D. Manuel, como nos mostram as suas armas, encimando o portal, mas que apenas foi concretizado em 1641. Podem ainda ser vistas as duas torres quadrangulares, sendo a de menagem, a maior delas.



No largo do castelo, podemos observar ainda, os telheiros onde se faz a feira, nas segundas quintas-feiras de cada mês.





É aqui também recordado Brás Garcia de Mascarenhas, que durante a Guerra da Restauração organizou um batalhão de voluntários, a Companhia dos Leões da Beira, que protagonizou importantes façanhas durante a mesma, ganhando ele, dessa forma o título de Governador do Castelo de Alfaiates. 



Na praça da Rainha Santa Isabel, do outro lado da aldeia, realiza-se duas vezes por ano, em 17 de Agosto, nas festas de Nossa Senhora da Póvoa, e no Domingo de Páscoa, a Capeia Raiana - uma corrida de touros típica da região de Riba Côa (que engloba 9 aldeias) e é única no mundo. Como se pode ver pelo vídeo, o touro é lidado com um forcão segurado por dezenas de homens, e sai da arena, após a lide, sem nenhum ferimento, em sinal de respeito e reverência para com o animal. Todo o processo é liderado e organizado pelos mordomos do Espírito Santo, na Festa da Senhora da Póvoa (que são 5 e solteiros), e por 5 alfaiatenses casados, na Páscoa.
 

Existem ainda para apreciar muitas outras belíssimas construções e lugares nesta pequena mas rica terra, tal como o Solar dos Canejos (em cima), que data de 1728, ou a Igreja Matriz, do século XVI, com influências góticas (nos portais laterais) e renascentistas. Bem como o pelourinho ou a Igreja da Misericórdia, que aqui não vão aparecer porque vos quero obrigar a lá ir! :)
Mas nada se compara, a meu ver, a um espaço que fica a poucos quilómetros daqui, e que se denomina Convento de Nossa Senhora de Sacaparte.
 

Esta estrutura situa-se num local plano e ermo, junto à estrada nacional, e constitui-se por igreja, convento, e um amplo terreiro com telheiros a toda a volta, que servem de apoio às feiras (Anunciação, Natividade e Assunção) que aqui se realizam, bem como à festa anual e procissão: agradecendo a protecção da Virgem na luta contra os Castelhanos, e onde desfilam homens em tronco nú - os encoirados, encaçapos, pelados ou encarrapatos.
A estrutura actual da igreja e convento data do século XVIII e pertencia à Congregação de S. Camilo de Lellis ou Ordem dos Clérigos Agonizantes. No entanto, sabe-se que já no século XIV havia aqui um templo, e que é local de culto desde a época visigótica. De destacar uma curiosa janela-oratório na fachada lateral, que podemos ver na foto acima do texto. 

Quanto ao estranho nome do Convento, conta-se que na batalha em que D. Sancho de Castela trava com um fidalgo castelhano em Portugal, Álvaro Nunes de Lara, clama à população local: "sacai-nos a boa parte", ou seja, que os livrasse dos malefícios da guerra; outra lenda refere que o fidalgo, durante a batalha, invocara Nossa Senhora, clamando "sacai-nos a boa parte".
O que é certo é que este edifício destinou-se ao apoio de doentes e peregrinos, e que foi mais tarde seminário e estabelecimento de ensino médico. Está abandonado desde 1834, apenas sobrando o corpo onde se alojava o refeitório, com púlpito, e a cozinha, que contém uma curiosa chaminé representando uma casa em miniatura.   
 

E aqui ficam algumas das razões para visitar a nossa raia. Há muito mais que ver... mas isso fica para um próximo post... :)


www.monumentos.pt; pt.wikipedia.org; http://www.alfaiates.sabugal.pt/; http://capeiaarraiana.wordpress.com/

segunda-feira, 18 de junho de 2012

PORTUZELO - UMA PEQUENA INTRODUÇÃO AO LUGAR

Situado no extremo oriental da freguesia da Meadela, o lugar de Portuzelo confunde-se com o do mesmo nome, que pertence à freguesia vizinha de Santa Marta (de Portuzelo!), provocando não raras vezes confusões nas caixas do correio! De facto nada se faz notar na transição entre as duas metades, sendo essa diferença apenas materializada nos marcos de pedra que ainda se encontram espalhados um pouco por toda a raia, no meio dos campos e encastoados em muros.



Sabe-se  do topónimo que é um derivado medieval de Porto (sufixo -zello), e que significa porto pequeno, ou seja, uma zona de atravessamento, fosse por ponte, poldras, barco, ou vau.
Chega-nos esta palavra, com antiguidade comprovada já em 1136, através de um documento de doação de um couto (o de Paredes), e por onde os seus limites passavam "daí pelo porto de Portuzelo" ("et inde per portum de Portuzello"). Não sabemos onde seria na realidade esse pequeno porto, mas provavelmente era comum às duas freguesias, e daí a extensão do topónimo.
Como já referi, Portuzelo estava inserido na terça parte sul, desde o século XII, do Couto de Paredes, sendo um dos seus lugares a par com Paredes (ao centro) e Gandra (a norte), mas tinha origens mais antigas, tendo existido aqui uma villa de denominação sueva Germiadi. Sabe-se também que era um lugar ocupado sobretudo por herdadores e trabalhadores rurais livres, ao contrário de outros da Meadela que na época medieval dependiam de mosteiros, da paróquia, e até do próprio rei.


Uma das pontes que atravessa o lugar (e a mais importante, e mais imponente) é já de meados do século XIX, construída por um mestre-de-obras de nome Caçola, aquando da construção da actual estrada. A passagem antiga devia situar-se uns metros mais a montante da actual, e seria feita igualmente por ponte, pelo menos desde o século XVI, como nos informa a sua referência documental mais antiga (1540) "no moynho mais chegado à ponte de Portuzello"
No entanto, e segundo a opinião de Carlos Brochado de Almeida, é provável que seja muito mais antiga, visto que a largura e volume de água que este curso debitava era enorme (e ainda hoje, no Inverno, assim o é). Também as memórias paroquiais de 1758 a referem: "logo por baixo do lugar de Portuzelo deste freguezia ao sítio chamado da pedrinha e junto do mesmo lugar tem sua ponte de pedra sem goardas, por a qual passa toda a gente de pé e de cavallo e toda a carroagem de qualquer qualidade.", sem no entanto se referirem, infelizmente, à sua idade.
Existem outras pontes que atravessam a ribeira de Portuzelo, mas a essas faremos referência mais adiante, e talvez não mais do que isso, já que pouco se sabe sobre elas.

Gravura de João de Almeida in "Minho Pitoresco"


É talvez deste século XIX e do XX, no entanto, que temos mais informação sobre o lugar, nomeadamente pela mão de viajantes que escreveram, desenharam e fotografaram Portuzelo.
Nas "Farpas", Ramalho Ortigão elogia eloquentemente estas paragens, dizendo: "Quem nunca veio a Viana, (...) quem não trasitou a pé pelos caminhos de uma e da outra margem do rio, por Meadela e Santa Marta, até ao pontilhão de Portuzelo rodeado de casais, de moinhos de vento e de rochas em que escachoa a água, límpida e desnevada, através da qual se vêem trepidar e reluzir as trutas; (...) quem durante alguns dias não viveu e não passeou nesta ridente e amorável região privilegiada das éclogas e das pastorais, não conhece de Portugal a porção de céu e de solo mais vibrantemente viva e alegre, mais luminosa e mais cantante.". 
Igualmente no Minho Pitoresco se faz referência ao lugar e se desenha, com um enorme exagero perspético (já que as curvas do rio não nos permitem ver até tão longe), a sequência dos moinhos e quintas que se implantam junto à ribeira, desde a ponte de Portuzelo: o do Dantas, o do Lages, e a Casa da Quinta Fresca com um desenho que a quem a conhece faz estranhar, e que provavelmente é uma projecção do que ela poderia ter sido e não da verdadeira realidade.

De facto, é recorrente em vários documentos fotográficos e escritos, a referência aos casais e moinhos existentes neste lugar, o que nos remete para a sua ocupação medieval, que como já referimos anteriormente, era constituída maioritariamente por herdadores e trabalhadores rurais livres, razão pela qual, provavelmente, ainda hoje se mantêm (com uma enorme tendência para o desaparecimento), as pequenas células casa-(moinho)-terreno-anexos agrícolas, aqui muito disseminadas e visíveis. 
Mas isso são outras histórias que deixo para o próximo capítulo...!

Bibliografia: Abreu, Alberto, História de Viana do Castelo, 1º vol., Câmara Municipal de Viana do Castelo, 2009; Almeida, Carlos A. Brochado de, Sítios que Fazem História: arqueologia do Concelho de Viana do Castelo, vol. 2, Câmara Municipal de Viana do Castelo, 2009; Araújo, José Rosa de, Caminhos Velhos e Pontes de Viana e Ponte de Lima, Viana do Castelo, 1962; Fernandes, A. de Almeida, Meadela Histórica, Viana do Castelo, 1994; O Minho Pitoresco; Ortigão, Ramalho e Queirós, Eça de,, As Farpas, Clássica Editora, Lisboa, 1871; Pires, Fabíola Franco, O Paço de Paredes na Meadela - Reconstrução de uma memória, Dissertação de Mestrado Integrado em Arquitectura, Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto, 2011;